Melissa Almeida: Crítica de Eu Moro em Qualquer Lugar

Melissa Almeida, do Arte como Lar, será uma das críticas da edição 46 do Festival Guarnicê de Cinema. Ela produzirá as resenhas dos seis longas nacionais que compõem a programação. Aqui, ela avalia o filme “Eu Moro em Qualquer Lugar”, de Márcio Coutinho, em exibição hoje (15) no Teatro João do Vale (Rua da Estrela, 283) às 19h50. A obra também ficará disponível de modo virtual a partir das 17h30 até às 18h de sexta-feira (16).

Melissa Almeida

O Festival Guarnicê de Cinema

Quarto mais longevo festival de cinema do país, o Guarnicê celebra o audiovisual maranhense e nacional há 46 anos. Promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), o festival ocorre entre os dias 09 e 16 de junho. O Guarnicê tem patrocínio da Equatorial Energia, Museu da Memória Audiovisual do Maranhão(MAVAM) e do Governo Federal por meio do Banco do Nordeste.

Conta também com o apoio da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão (ALEMA), Fundação Sousândrade, Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Eduplay, Secretaria de Estado da Educação (SEDUC), Centro Cultural do Ministério Público, TV UFMA, Rádio Universidade, Secretaria Municipal de Educação (SEMED), SESC, Associação Maranhense de Desenvolvedores de Jogos, Bulldog, Gráfica A5, Mar Doce, Teatro João do Vale e Teatro Arthur Azevedo.

Confira a crítica:

“Para o cineasta chileno Patricio Guzmán, o segredo do documentário é fabricar histórias com pequenos átomos que voam pelo ar. Átomo se configura como uma pequena obra que progride, que tem por um instante um desenvolvimento mínimo, por menor que seja. Como uma criança correndo em um parque, um homem sentado em um banco de praça lendo quando de repente começa a chover, ou uma mulher sentada em uma calçada com um olhar distante enquanto pessoas caminham por ela. O documentário Moro em qualquer lugar nos convida a enxergar alguns átomos que refletem uma cena específica da existência humana, cenas que diariamente são invisíveis aos nossos olhos, um pedaço de vida difícil e violento: o das mulheres em situação de rua. 

Cenas iniciais de Eu moro em qualquer lugar (2022) 

O diretor Márcio Coutinho nos insere no contexto do filme com a fala de Esmeraldina, ex-moradora de rua que conta detalhes sobre o dia que decidiu sair de casa. Ela fala de uma soleira carregada de lembranças, que foi onde conseguiu dormir pela primeira vez porque próximo de lá trabalhava um vigia. Esmeraldina nos faz pensar como um elemento arquitetônico que serve para indicar a transição de ambientes diferentes, que passa praticamente despercebido, pode significar tantas memórias para alguém. Na nossa situação privilegiada, não vemos a rua como a casa de muitas pessoas. Temos dificuldades de entender como alguém consegue sobreviver ali, sem nenhuma estrutura física com paredes e janelas. Não paramos muito para pensar nisso. Por essa razão, Moro em qualquer lugar vem como um lembrete de que essas pessoas estão lá, sobrevivem nas condições mínimas e assim como nós, fazem parte da sociedade.

O filme se estrutura em diversos relatos, tanto de mulheres em situação de rua quanto de profissionais que trabalham diretamente com elas, como psicólogas, enfermeiras, assistentes sociais e sociológicas. A violência doméstica se caracteriza como o fator principal que faz essas mulheres saírem de casa. Já adoecidas, elas encontram todos os outros tipos de violência na rua, agravando uma série de fatores. São relatos muito duros sobre questões como maternidade, menstruação, abusos sexuais e dependência química. Bem difíceis de ouvir, que transmitem uma necessidade urgente de serem ouvidas.

Alguns enquadramentos me fizeram refletir sobre arquitetura hostil, que significa desenhar a cidade com uma abordagem que gera desconforto e isolamento, fazendo uso de alguns elementos em espaços públicos, como gradis, superfícies ásperas, espinhos, e mobiliários urbanos desenhados para evitar comportamentos indesejáveis, como deitar pra dormir. A cidade se torna assim um espaço desumanizado. Coutinho enquadra Esmeraldina em algumas composições que traduzem isso, quando a filme em contra-plongée, sendo diminuída pelo prédio na sua frente e atrás de um gradil. 

Esmeraldina atrás de um gradil e em Eu moro em qualquer lugar (2022) 

Enquadramento em contra-plongée em Eu moro em qualquer lugar (2022) 

Ao assistir Moro em qualquer lugar somos confrontados com a nossa responsabilidade coletiva e a necessidade de engajamento na busca por soluções. É um chamado à ação, incentivando o público e as autoridades a apoiar organizações locais, a lutar por políticas inclusivas e a promover mudanças sociais que possam garantir a essas mulheres um direito básico. Coutinho nos convida voltar nossos olhos para esses átomos que passam despercebidos na nossa frente. Essa abordagem é fundamental para que o público enxergue além dos estereótipos e reconheça a individualidade de cada mulher retratada.”

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