Fabiana Lima: Crítica de Katharsys

Pelo segundo ano consecutivo, Fabiana Lima é crítica do Festival Guarnicê de Cinema. Nesta edição, ela produzirá as críticas dos seis longas-metragens que compõem a programação do festival. Confira a avaliação de “Katharsys”, de Roberto Moura, em exibição hoje (14) no Teatro João do Vale (Rua da Estrela, 283) às 19h55. A obra também ficará disponível de modo virtual a partir das 17h30 até às 18h de quinta-feira (14).

Fabiana Lima durante cerimônia de encerramento do Guarnicê 2022

O Festival Guarnicê de Cinema

Quarto mais longevo festival de cinema do país, o Guarnicê celebra o audiovisual maranhense e nacional há 46 anos. Promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), o festival ocorre entre os dias 09 e 16 de junho. O Guarnicê tem patrocínio da Equatorial Energia, Museu da Memória Audiovisual do Maranhão(MAVAM) e do Governo Federal por meio do Banco do Nordeste.

Conta também com o apoio da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão (ALEMA), Fundação Sousândrade, Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Eduplay, Secretaria de Estado da Educação (SEDUC), Centro Cultural do Ministério Público, TV UFMA, Rádio Universidade, Secretaria Municipal de Educação (SEMED), SESC, Associação Maranhense de Desenvolvedores de Jogos, Bulldog, Gráfica A5, Mar Doce, Teatro João do Vale e Teatro Arthur Azevedo.

Confira a crítica:

“De todos os longas nacionais que foram exibidos até agora, Katharsys é possivelmente o que mais sintetiza o tema desta 46ª edição do Festival, Democracia em Cena. Dirigido por Roberto Moura, o longa é experimental, surrealista, subversivo e, acima de tudo, político. Em processo de produção desde os anos 90, o título me parece apropriado para descrever uma experiência realmente catártica, que ao juntar três filmes em um, o diretor provoca dada uma colisão riquíssima de ideias e reflexões as quais, mesmo após 30 anos, não poderiam ser mais atuais no Brasil que viveu o governo Bolsonaro. 

Para todos os que pensavam que a ditadura militar havia morrido com a promulgação da Constituição de 1988, a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 pode ter sido uma grande surpresa. Noutro lado, para todos os outros que enxergavam que a ditadura foi apenas semente do mal na sociedade brasileira, que nunca chegou a se extinguir por completo, o resultado das urnas em 2018 pareceu uma infeliz consequência de um país que jamais quis lidar com uma punição justa diante dos atos cruéis que vivenciou. 

Certo é que durante dos últimos quatro anos, o sufocamento da cultura e, por consequência, da produção audiovisual, fez com que Katharsys se tornasse um filme mais atual que nunca nessa era de ascensão de uma extrema-direita que flerta com o fascismo desde muito antes de conseguir os holofotes. O último filme de Grande Otelo, ao meu ver, não poderia ser mais simbólico, é resistência e documento histórico também. E a forma como esse trabalho chega para nós, feito originalmente em película, editado na era digital e cuja concepção de montagem se deu diante de um pensamento de cinema brasileiro contemporâneo, também não. 

Roberto Moura irá utilizar imagens de três filmes distintos, filmados em anos distintos, e conectá-las, quando não tematicamente, pelos personagens que irão pairar sob aquela história como verdadeiras entidades, como é o caso do personagem de Grande Otelo. Essencialmente, não há um roteiro linear a ser seguido, apenas a narração e a sobreposição de imagens que irão esculpir uma história concisa que os olhos atentos podem captar, como Cinema deve ser. 

Estado Novo, Ditadura Militar, ausência de financiamento para a produção audiovisual, a dificuldade de se fazer arte no Brasil, qualquer que seja o tema, todos se interligam nesse quebra-cabeça por meio do dispositivo mais Eisensteiniano: a montagem. Apesar de possuir grandes atuações, as quais irão ganhar um destaque muito grande até mesmo pela história do filme, o maior mérito de Katharsys está em sobrepor, contrapor e justapor, às vezes, todas essas imagens e gerar composições, em tela, que farão sentido para cada capítulo de sua estrutura episódica – e para cada tema abordado. 

O resultado é próximo de um cinema parecido com o que estava sendo feito na época do cinema marginal brasileiro, cujas inquietações políticas fizeram nascer um de nossos melhores períodos, mas com um toque de modernidade nas colagens que já conversam mais com um cinema pós-moderno, contemporâneo. É uma síntese do seu tempo, uma junção do que 30 anos de um filme no armário podem fazer. É isso que o transforma em um documento histórico que nos mostra, como diz o filme, que “é tudo diferente, mas é tudo igual” também. Passaram-se anos, mas nossa necessidade de resistir continua. É lindo ver a democracia em cena, mas é mais encantador ainda, quando ela é viabilizada, quando ela, de fato, existe. ”

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