Fabiana Lima: Crítica de Rumo

Pelo segundo ano consecutivo, Fabiana Lima é crítica do Festival Guarnicê de Cinema. Nesta edição, ela produzirá as críticas dos seis longas-metragens que compõem a programação do festival. Confira a avaliação de “Rumo”, de Bruno Victor e Marcus Azevedo, em exibição hoje (12) no Teatro João do Vale (Rua da Estrela, 283) às 19h50. A obra também ficará disponível de modo virtual a partir das 17h30 até às 18h de terça-feira (13).

Fabiana Lima durante cerimônia de encerramento do Guarnicê 2022

O Festival Guarnicê de Cinema

Quarto mais longevo festival de cinema do país, o Guarnicê celebra o audiovisual maranhense e nacional há 46 anos. Promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), o festival ocorre entre os dias 09 e 16 de junho. O Guarnicê tem patrocínio da Equatorial Energia, Museu da Memória Audiovisual do Maranhão(MAVAM) e do Governo Federal por meio do Banco do Nordeste.

Conta também com o apoio da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão (ALEMA), Fundação Sousândrade, Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Eduplay, Secretaria de Estado da Educação (SEDUC), Centro Cultural do Ministério Público, TV UFMA, Rádio Universidade, Secretaria Municipal de Educação (SEMED), SESC, Associação Maranhense de Desenvolvedores de Jogos, Bulldog, Gráfica A5, Mar Doce, Teatro João do Vale e Teatro Arthur Azevedo.

Confira a crítica:

“Espelhamento. Essa é uma das palavras citadas por uma das entrevistadas nesse filme que mais me chamou atenção. Em sua fala, ela diz que sua primeira amizade no campus da UnB se iniciou a partir do espelhamento: dentro de uma universidade onde corpos negros eram uma exceção, ela viu nessa mulher africana como se visse a si mesma – e isso foi o início de um vínculo que deu força às duas naquele ambiente onde seus corpos eram motivo de constante exclusão.

De certo modo o espelhamento seria algo parecido com a representatividade, mas acho que usar uma palavra que tem como origem o “espelho” é muito mais interessante nesse contexto o qual o filme aborda, sobre a importância das cotas raciais, pois enxergo que não se trata apenas de uma representação de um grupo, e sim da luta para que o ambiente acadêmico possa ser finalmente um espelho, um reflexo, de quem compõe esse país. Finalmente um retrato justo de quem nós somos.

Rumo discute a implementação das cotas raciais no país a partir da UnB (Still do filme)

Rumo se divide em duas histórias que ocorrem em paralelo: enquanto Leni e Samuel tentam uma vaga na UnB, o grupo EnegreSer se reúne para relembrar sua luta pela implementação da política pública de cotas. É um eterno ir e vir no tempo, traçando paralelos com o que ocorria naquele momento, fim dos anos 90 e início dos anos 2000 na instituição, no país e no mundo. Para contar essas duas histórias que acontecem em momentos diferentes, os diretores irão utilizar-se bastante de uma montagem que pode até parecer confusa em alguns momentos, mas que pega fôlego do meio para o final através da brincadeira metalinguística com as telas, um outro motivo pelo qual a palavra espelhamento me parecer ser uma das mais ideais para falar do filme.

No longa, a ideia de se ver através de uma tela e a partir disso desenvolver ideias e emoções que serão repassadas para a câmera – aquela que conversa conosco, de forma direta – torna a experiência de assistir Rumo muito mais agradável e verdadeira. É como se, nas duas esferas, tanto na história dos protagonistas quanto na reunião entre os ex-estudantes, não houvesse nenhuma diferenciação prática, pois é evidenciado a todo instante o quanto essa conquista foi coletiva.

Alvo de ataque durante anos a fio, a política de cotas raciais sempre foi vista com maus olhos por muitas pessoas e até hoje é alvo de críticas por políticos de direita e de centro, principalmente, mas o que Rumo faz, através de apenas alguns relatos, consegue transmitir a complexidade e a relevância extrema que a política pública possui no sentido de reconhecer que a academia e o estudo, com um todo, é um dos mecanismos de libertação do povo negro e que não se trata apenas de uma dívida histórica, é também uma forma de mudar o pensamento nas universidades. Reconhecer que ampliar a diversidade é o mesmo que enriquecer a ciência nacional.

Apesar de não ser um filme perfeito e ter incongruências de ritmo no começo, especialmente na introdução dos personagens principais, Rumo consegue passar para o público a discussão que almeja. Me emocionei durante alguns relatos e me vi ansiosa para transmitir tudo que eu acabei conhecendo ao assistir para outras pessoas. É um filme urgente e que, sem sombra de dúvidas, tem um caráter educacional muito forte. Incrível para pensar cotas raciais, políticas públicas e educação no Brasil – algo que estamos precisando, muito.”

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